Lembro-me
muito claramente de que há vários anos, sendo um cristão ainda jovem, a
questão que me causava perplexidade (e a alguns amigos meus também) era
esta: Qual é o propósito de Deus para o seu povo? Uma vez que tenhamos
nos convertido, uma vez que tenhamos sido salvos e recebido vida nova em
Jesus Cristo, o que vem depois? É claro que conhecíamos a famosa
declaração do Breve Catecismo de Westminster: “O fim principal do homem é
glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre”. Sabíamos disso e críamos
nisso. Também refletíamos sobre algumas declarações mais breves, como
uma de apenas sete palavras: “Ama a Deus e ao teu próximo”. Mas de algum
modo, nenhuma delas, nem outra que pudéssemos citar, parecia plenamente
satisfatória. Portanto, quero compartilhar com vocês o entendimento que
pacificou minha mente à medida que me aproximo do final de minha
peregrinação neste mundo. Esse entendimento é: Deus quer que seu povo se
torne semelhante a Cristo. A vontade de Deus para o seu povo é que
sejamos conformes à imagem de Cristo.
Sendo
isso verdade, quero propor o seguinte: em primeiro lugar, demonstrarmos
a base bíblica do chamado para sermos conformes à imagem de Cristo; em
segundo, extrairmos do Novo Testamento alguns exemplos; em terceiro,
tirarmos algumas conclusões práticas a respeito. Tudo isso relacionado a
nos assemelharmos a Cristo.
Então,
vejamos primeiro a base bíblica do chamado para sermos semelhantes a
Cristo. Essa base não se limita a uma passagem só. Seu conteúdo é
substancial demais para ser encapsulado em um único texto. De fato, essa
base consiste de três textos, os quais, aliás, faríamos muito bem em
incorporar conjuntamente à nossa vida e visão cristã: Romanos 8:29, 2
Coríntios 3:18 e 1 João 3:2. Vamos fazer uma breve análise deles.
Romanos
8:29 diz que Deus predestinou seu povo para ser conforme à imagem do
Filho, ou seja, tornar-se semelhante a Jesus. Todos sabemos que Adão, ao
cair, perdeu muito — mas não tudo — da imagem divina conforme a qual
fora criado. Deus, todavia, a restaurou em Cristo. Conformar-se à imagem
de Deus significa tornar-se semelhante a Jesus: O propósito eterno de
predestinação divina para nós é tornar-nos conformes à imagem de Cristo.
O
segundo texto é 2 Coríntios 3:18: “E todos nós, com o rosto desvendado,
contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos
transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo
Senhor, o Espírito”. Portanto é pelo próprio Espírito que habita em nós
que somos transformados de glória em glória — que visão magnífica! Nesta
segunda etapa do processo de conformação à imagem de Cristo, percebemos
que a perspectiva muda do passado para o presente, da predestinação
eterna de Deus para a transformação que ele opera em nós agora pelo
Espírito Santo. O propósito eterno da predestinação divina de nos tornar
como Cristo avança, tornando-se a obra histórica de Deus em nós para
nos transformar, por intermédio do Espírito Santo, segundo a imagem de
Jesus.
Isso
nos leva ao terceiro texto: 1 João 3:2: “Amados, agora, somos filhos de
Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que,
quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de
vê-lo como ele é”. Não sabemos em detalhes como seremos no último dia,
mas o que de fato sabemos é que seremos semelhantes a Cristo. Não
precisamos saber de mais nada além disso. Contentamo-nos em conhecer a
verdade maravilhosa de que estaremos com Cristo e seremos semelhantes a
ele, eternamente.
Aqui
há três perspectivas: passado, presente e futuro. Todas apontam na
mesma direção: há o propósito eterno de Deus, pelo qual fomos
predestinados; há o propósito histórico de Deus, pelo qual estamos sendo
transformados pelo Espírito Santo; e há o propósito final ou
escatológico de Deus, pelo qual seremos semelhantes a ele, pois o
veremos como ele é. Estes três propósitos — o eterno, o histórico e o
escatológico — se unem e apontam para um mesmo objetivo: a conformação
do homem à imagem de Cristo. Este, afirmo, é o propósito de Deus para o
seu povo. E a base bíblica para nos tornarmos semelhantes a Cristo é o
fato de que este é o propósito de Deus para o seu povo.
Prosseguindo,
quero ilustrar essa verdade com alguns exemplos do Novo Testamento. Em
primeiro lugar, creio ser importante que nós façamos uma afirmação
abrangente como a do apóstolo João em 1 João 2:6: “Aquele que diz que
permanece nele, esse deve também andar assim como ele andou”. Em outras
palavras, se nos dizemos cristãos, temos de ser semelhantes a Cristo.
Este é o primeiro exemplo do Novo Testamento: temos de ser como o Cristo
Encarnado.
Alguns
de vocês podem ficar horrorizados com essa idéia e rechaçá-la de
imediato. “Ora”, me dirão, “não é óbvio que a Encarnação foi um evento
absolutamente único, não sendo possível reproduzi-lo de modo algum?”
Minha resposta é sim e não. Sim, foi único no sentido de que o Filho de
Deus revestiu-se da nossa humanidade em Jesus de Nazaré, uma só vez e
para sempre, o que jamais se repetirá. Isso é verdade. Contudo, há outro
sentido no qual a Encarnação não foi um evento único: a maravilhosa
graça de Deus manifestada na Encarnação de Cristo deve ser imitada por
todos nós. Nesse sentido, a Encarnação não foi única, exclusiva, mas
universal. Somos todos chamados a seguir o supremo exemplo de humildade
que ele nos deu ao descer dos céus para a terra. Por isso Paulo diz em
Filipenses 2:5-8: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em
Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como
usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a
forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em
figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte
e morte de cruz”. Precisamos ser semelhantes a Cristo em sua Encarnação
no que diz respeito à sua admirável humildade, uma humilhação
auto-imposta que está por trás da Encarnação.
Em
segundo lugar, precisamos ser semelhantes a Cristo em sua prontidão em
servir. Agora, passemos de sua Encarnação à sua vida de serviço; de seu
nascimento à sua vida; do início ao fim. Quero convidá-los a subir
comigo ao cenáculo onde Jesus passou sua última noite com os discípulos,
conforme vemos no evangelho de João, capítulo 13: “Tirou a vestimenta
de cima e, tomando uma toalha, cingiu-se com ela. Depois, deitou água na
bacia e passou a lavar os pés aos discípulos e a enxugar-lhos com a
toalha com que estava cingido”. Ao terminar, retomou seu lugar e
disse-lhes: “Ora, se eu, sendo o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés,
também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Porque eu vos dei o
exemplo” — note-se a palavra — “para que, como eu vos fiz, façais vós
também”.
Há
cristãos que interpretam literalmente esse mandamento de Jesus e fazem a
cerimônia do lava-pés em dia de Ceia do Senhor ou na Quinta-feira Santa
— e podem até estar certos em fazê-lo. Porém, vejo que a maioria de nós
fez apenas uma transposição cultural do mandamento de Jesus: aquilo que
Jesus fez, que em sua cultura era função de um escravo, nós
reproduzimos em nossa cultura sem levarmos em conta que nada há de
humilhante ou degradante em o fazermos uns pelos outros.
Em
terceiro lugar, temos de ser semelhantes a Cristo em seu amor. Isso me
lembra especificamente Efésios 5:2: “Andai em amor, como também Cristo
nos amou e se entregou a si mesmo por nós, como oferta e sacrifício a
Deus, em aroma suave”. Observe que o texto se divide em duas partes. A
primeira fala de andarmos em amor, um mandamento no sentido de que toda a
nossa conduta seja caracterizada pelo amor, mas a segunda parte do
versículo diz que ele se entregou a si mesmo por nós, descrevendo não
uma ação contínua, mas um aoristo, um tempo verbal passado, fazendo uma
clara alusão à cruz. Paulo está nos conclamando a sermos semelhantes a
Cristo em sua morte, a amarmos com o mesmo amor que, no Calvário,
altruistamente se doa.
Observe
a idéia que aqui se desenvolve: Paulo está nos instando a sermos
semelhantes a Cristo na Encarnação, ao Cristo que lava os pés dos irmãos
e ao Cristo crucificado. Esses três acontecimentos na vida de Cristo
nos mostram claramente o que significa, na prática, sermos conformes à
imagem de Cristo.
Em
quarto lugar, temos de ser semelhantes a Cristo em sua abnegação
paciente. No exemplo a seguir, consideraremos não o ensino de Paulo, mas
o de Pedro. Cada capítulo da primeira carta de Pedro diz algo sobre
sofrermos como Cristo, pois a carta tem como pano de fundo histórico o
início da perseguição. Especialmente no capítulo 2 de 1 Pedro, os
escravos cristãos são instados a, se castigados injustamente, suportarem
e não retribuírem o mal com o mal. E Pedro prossegue dizendo que para
isto mesmo fomos chamados, pois Cristo também sofreu, deixando-nos o
exemplo — outra vez a mesma palavra — para seguirmos os seus passos.
Este chamado para sermos semelhantes a Cristo em meio ao sofrimento
injusto pode perfeitamente se tornar cada vez mais significativo à
medida que as perseguições se avolumam em muitas culturas do mundo
atual.
No
quinto e último exemplo que quero extrair do Novo Testamento,
precisamos ser semelhantes a Cristo em sua missão. Tendo examinado os
ensinos de Paulo e de Pedro, veremos agora os ensinos de Jesus
registrados por João. Em João 17:18, Jesus, orando, diz: “Assim como tu
me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo”, referindo-se a nós.
E na Comissão, em João 20:21, Jesus diz: “Assim como o Pai me enviou,
eu também vos envio”. Estas palavras carregam um significado imensamente
importante. Não se trata apenas da versão joanina da Grande Comissão; é
também uma instrução no sentido de que a missão dos discípulos no mundo
deveria ser semelhante à do próprio Cristo. Em que aspecto? Nestes
textos, as palavras-chave são “envio ao mundo”. Do mesmo modo como
Cristo entrou em nosso mundo, nós também devemos entrar no “mundo” das
outras pessoas. É como explicou, com muita propriedade, o Arcebispo
Michael Ramsey há alguns anos: “Somente à medida que sairmos e nos
colocarmos, com compaixão amorosa, do lado de dentro das dúvidas do
duvidoso, das indagações do indagador e da solidão do que se perdeu no
caminho é que poderemos afirmar e recomendar a fé que professamos”.
Quando falamos em “evangelização encarnacional” é exatamente disto que falamos: entrar no mundo do outro. Toda missão genuína é uma missão encarnacional.
Temos de ser semelhantes a Cristo em sua missão. Estas são as cinco
principais formas de sermos conformes à imagem de Cristo: em sua
Encarnação, em seu serviço, em seu amor, em sua abnegação paciente e em
sua missão.
Quero, de modo bem sucinto, falar de três conseqüências práticas da assemelhação a Cristo.
Primeira:
A assemelhação a Cristo e o sofrimento. Por si só, o tema do sofrimento
é bem complexo, e os cristãos tentam compreendê-lo de variados pontos
de vista. Um deles se sobressai: aquele segundo o qual o sofrimento faz
parte do processo da transformação que Deus faz em nós para nos
assemelharmos a Cristo. Seja qual for a natureza do nosso sofrimento —
uma decepção, uma frustração ou qualquer outra tragédia dolorosa —,
precisamos tentar enxergá-lo à luz de Romanos 8:28-29. Romanos 8:28 diz
que Deus está continuamente operando para o bem do seu povo, e Romanos
8:29 revela que o seu bom propósito é nos tornar semelhantes a Cristo.
Segunda:
A assemelhação a Cristo e o desafio da evangelização. Provavelmente
você já se perguntou: “Por que será que, até onde percebo, em muitas
situações os nossos esforços evangelísticos freqüentemente terminam em
fracasso?” As razões podem ser várias e não quero ser simplista, mas uma
das razões principais é que nós não somos parecidos com o Cristo que
anunciamos. John Poulton, que abordou o tema num livreto muito
pertinente, intitulado A Today Sort of Evangelism, escreveu:
“A
pregação mais eficaz provém daqueles que vivem conforme aquilo que
dizem. Eles próprios são a mensagem. Os cristãos têm de ser semelhantes
àquilo que falam. A comunicação acontece fundamentalmente a partir da
pessoa, não de palavras ou idéias. É no mais íntimo das pessoas que a
autenticidade se faz entender; o que agora se transmite com eficácia é,
basicamente, a autenticidade pessoal”.
Isto
é assemelhar-se à imagem de Cristo. Permitam-me dar outro exemplo.
Havia um professor universitário hindu na Índia que, certa vez,
identificando que um de seus alunos era cristão, disse-lhe: “Se vocês,
cristãos, vivessem como Jesus Cristo viveu, a Índia estaria aos seus pés
amanhã mesmo”. Eu penso que a Índia já estaria aos seus pés hoje mesmo
se os cristãos vivessem como Jesus viveu. Oriundo do mundo islâmico, o
Reverendo Iskandar Jadeed, árabe e ex-muçulmano, disse: “Se todos os
cristãos fossem cristãos — isto é, semelhantes a Cristo —, hoje o islã
não existiria mais”.
Isto
me leva ao terceiro ponto: Assemelhação a Cristo e presença do Espírito
Santo em nós. Nesta noite falei muito sobre assemelhação a Cristo, mas
será que ela é alcançável? Por nossas próprias forças é evidente que
não, mas Deus nos deu seu Santo Espírito para habitar em nós e nos
transformar de dentro para fora. William Temple, que foi arcebispo na
década de 40, costumava ilustrar este ponto falando sobre Shakespeare:
“Não adianta me darem uma peça como Hamlet ou O Rei Lear e
me mandarem escrever algo semelhante. Shakespeare era capaz, eu não.
Também não adianta me mostrarem uma vida como a de Jesus e me mandarem
viver de igual modo. Jesus era capaz, eu não. Porém, se o gênio de
Shakespeare pudesse entrar e viver em mim, então eu seria capaz de
escrever peças como as dele. E se o Espírito Santo puder entrar e
habitar em mim, então eu serei capaz de viver uma vida como a de Jesus”.
Para
concluir, um breve resumo do que tentamos pensar juntos aqui hoje: O
propósito de Deus é nos tornar semelhantes a Cristo. O modo como Deus
nos torna conformes à imagem de Cristo é enchendo-nos do seu Espírito.
Em outras palavras, a conclusão é de natureza trinitária, pois envolve o
Pai, o Filho e o Espírito Santo.
Dr.
John Stott — “O Paradigma: Tornando-nos Mais Semelhantes a Cristo”.
Sermão pregado na Convenção de Keswick em 17 de julho de 2007
By: Felipe Gomes
7 comentários:
Jonh Sttot, foi o maio expositor bíblico do século passado. Suas mensagens são combustíveis totalmente bíblicos. Oremos para que o Senhor multiplique na liderança de nossas igrejas homens como este. Graça e Paz a todos. Obrigado mana.
Jonh Sttot foi o maior expositor Bíblico do século 20 e 21. Suas mensagens são combustíveis bíblicos capazes de incinerar a ignorância bíblica-intelectual de muitos. Oremos para que o Senhor nos envie mais Pastores e Mestres tais como este.
Assim como disse Paulo, este irmão poderia dizer tranquilamente a cada um de nós "ASSIM COMO SOU DE CRISTO, SEJAIS MEUS IMITADORES"
Assim como disse Paulo, este irmão poderia dizer tranquilamente a cada um de nós "ASSIM COMO SOU DE CRISTO, SEJAIS MEUS IMITADORES"
Gosto muito do John Stott, um dos livros que li dele foi o Orar também é pensar, muito bom... Lindas palavras, Jesus te abençoe muito. Beijos
http://pfaceafacecomdeus.blogspot.com.br/
O Senhor nos criou sua imagem e semelhança, porém nós muitas as vezes desfiguramos o nosso ser que é imagem do Cristo vivo por conta de nosso pecado. Devemos a cada dia buscar a reconciliação do amor divino e tentar viver, amar, pensar, agir e até mesmo caminhar como Jesus. Um desafio!? Talvez! Porém fomos feitos para o maior propósito, contemplar a face de Cristo e toda sua glória, mas para isso devemos nos parecer com Ele. Graça e paz!
O Senhor nos criou sua imagem e semelhança, porém nós muitas as vezes desfiguramos o nosso ser que é imagem do Cristo vivo por conta de nosso pecado. Devemos a cada dia buscar a reconciliação do amor divino e tentar viver, amar, pensar, agir e até mesmo caminhar como Jesus. Um desafio!? Talvez! Porém fomos feitos para o maior propósito, contemplar a face de Cristo e toda sua glória, mas para isso devemos nos parecer com Ele. Graça e paz!
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Olá, gostou do que leu?! Sentiu DEUS falar com você?!
Então não deixe de comentar, ficarei muito grata ao ver sua paritcipação..
Que DEUS te abençoe.. Abraços :)